Em um dos mais recentes arrastões a prédios residenciais ocorridos em São Paulo, um porteiro saiu de uma guarita blindada para deixar o lixo na rua, momento em que foi rendido, o que permitiu a entrada dos assaltantes no interior do condomínio. O episódio aconteceu no final do mês de julho, na região do Brooklin, zona Sul da cidade. “São Paulo registra pelo menos um assalto mensal a edifícios de alto e médio padrão”, observa o delegado e consultor na área, Luís Renato Mendonça Davini. Segundo ele, grande parte é motivada por falha humana, o que torna vulnerável todo um aparato físico e sofisticado de proteção.
A pedido da revista Direcional Condomínios, Luís Davini fez o diagnóstico de segurança de um edifício localizado no bairro de Higienópolis, área central de São Paulo. O objetivo é apresentar aqui aos síndicos e condôminos quais os pontos devem ser observados em uma análise de vulnerabilidade do local em que residem e sugerir um programa preventivo. Também o consultor José Elias de Godoy, autor dos livros “Manual de Segurança em Condomínios” e “Técnicas de Segurança em Condomínios”, acompanhou a reportagem em um condomínio de alto padrão do bairro do Paraíso, o qual possui um complexo sistema físico e normativo de proteção. José Elias aplica o conceito de “anéis de segurança” para desenvolver o diagnóstico e propor a adoção de medidas paulatinas, a serem implantadas por etapas nos diferentes espaços físicos das edificações.
No caso do condomínio de Higienópolis, não identificado por razões de segurança, o consultor Luís Davini encontrou uma situação de elevada vulnerabilidade e inexistência de um trabalho sistemático de segurança. Com quatro funcionários que se revezam na portaria e um auxiliar de serviços gerais, o local vem passando por reformas que visam melhorar seu padrão de segurança, no entanto, elas ainda estão bem distantes de assegurar mais tranquilidade aos moradores. O prédio construído há pelo menos 40 anos sequer tinha portaria. O funcionário ficava em uma mesa no hall social e sua principal função era recepcionar moradores, auxiliá-los com as compras e acesso aos elevadores. Após reformas recentes, houve substituição da barreira física no perímetro da rua e a portaria foi construída no recuo. Também foram instaladas 16 câmeras do CFTV (Circuito Fechado de TV).
Entretanto, os portões da garagem e de pedestre ainda não têm eclusa, a qual funcionaria como espaço de contenção e controle de acesso. Tampouco foi instalado um passa objeto junto à entrada, recurso importante para evitar o acesso de entregadores ao interior do edifício. As portas do hall social e de serviços do prédio estão permanentemente abertas. A guarita não oferece proteção ao porteiro e pode ser acessada facilmente por qualquer pessoa que tenha passado pelos portões. Do ponto de vista da infraestrutura eletrônica, seria importante “fazer controle perimetral dos muros em infravermelho, reposicionar algumas câmeras, implantar monitoramento de alarme digital remoto, promover o fechamento eletrônico das portas e também da guarita”, enumera o consultor Luís Davini. Nos elevadores, a principal providência seria um controle de acesso de moradores por meio de software específico. E na área comportamental, considerada peça-chave de todo um sistema de segurança, funcionários e moradores deveriam, respectivamente, passar por treinamento e conscientização.
“A segurança implica em mudança de comportamento para todo mundo”, ressalta Luís Davini. No caso dos funcionários, a orientação tem que ser constante, desenvolvendo “uma memória muscular, um reflexo de ação, em que a pessoa fica psicologicamente preparada para tomar as medidas iniciais e acreditar que a qualquer momento pode acontecer um problema.” Segundo Luís Davini, “a rotina deixa a falsa impressão de segurança, provoca relaxamento”. Quanto aos condôminos, o importante seria “despertar essa visão de que eles são parte da segurança”, ponto que não exige investimento financeiro. “É mais reorientação”, diz. A síndica do local revela que novas normas de conduta deverão ser discutidas e votadas em assembleia no mês de setembro, como o acesso dos táxis às garagens. Ela admite que “precisamos melhorar as coisas, mas de acordo com o orçamento”, bastante apertado, em função de o condomínio ter apenas onze unidades.
Os especialistas costumam trabalhar com a concepção de “triângulo da segurança”, envolvendo aspectos físicos, normativos e comportamentais. Para esta síndica, as medidas de prevenção serão adotadas gradualmente em cada um desses quesitos, como, por exemplo, a construção da clausura na garagem, “já programada”. Mas ela ressalva que haverá dificuldades para alterar a cultura comportamental, lembrando que o passa objeto não foi instalado na entrada do edifício por decisão dos moradores – “o conforto falou mais alto”. Esta é a grande barreira a ser quebrada, observa, “a de que os condôminos se conscientizem de que têm muita responsabilidade sobre a própria segurança”.
SISTEMA INTEGRADO DE PROTEÇÃO
No condomínio do síndico Joseph Lawand Junior, a mudança comportamental resultou de muita persistência. Localizado em rua nobre do bairro do Paraíso, em São Paulo, o condomínio de duas torres, 19 andares e apartamentos de cerca de 400 metros quadrados tem normas rígidas, integradas a um sofisticado aparato físico, o que inclui duas guaritas blindadas, que se comunicam e possuem telefone fixo, celular e rádio. O acesso a elas é permitido somente ao porteiro do turno, nem o próprio síndico tem autorização para se dirigir ao local, protegido por eclusa.
Ninguém entra no condomínio sem autorização do morador, tampouco sem apresentar documento pessoal ou crachá de empresa prestadora de serviço. Se o morador autorizar, mas a pessoa não portar documento, o acesso é vedado. As normas chegaram a ser votadas em assembleia e, segundo Joseph Lawand, “com o passar do tempo, a segurança virou rotina”. Ele lembra que o foco principal de resistência dos moradores foi a garagem, cujos portões são controlados pelos porteiros e a entrada liberada somente após a visualização física do condutor, que ao ficar na clausura, deve baixar o vidro do carro. “Tivemos caso de morador que ficou 15 minutos na clausura, recusando-se a baixar o vidro. Ele não entrou”, comenta.
Segundo Lawand, “os funcionários têm total apoio” e recebem treinamento mensal. Monitoramento e manutenção constante dos equipamentos completam o sistema de segurança, sobre qual o condomínio investe cerca de 4% de seu orçamento mensal. Ele está integrado ainda, via rádio, a outros três prédios da vizinhança. “Mas quando começamos, não tínhamos estrutura para identificar situações de risco, não sabia por onde começar e aprendi que 95% da segurança é treinamento”, analisa Joseph Lawand. Ele sugere a implantação gradual do sistema. “Se fizer tudo de uma vez, ninguém vai cumprir.”
Para o especialista José Elias de Godoy, o ideal é trabalhar com etapas dentro do conceito de “anéis de segurança”. O que implica, em um primeiro momento, atuar sobre a área perimetral do condomínio, incluindo garagens e portarias; num segundo momento, trabalhar a entrada da edificação, tanto o hall social e quanto de serviços; em um terceiro, cuidar das medidas de proteção para acesso às unidades, incluindo restrições para uso dos elevadores; finalmente, em um “quarto anel”, os próprios moradores cercarem-se de cuidados para manter suas residências permanentemente trancadas. E mesmo com tudo isso, José Elias de Godoy pondera que “não existe local intransponível”, mas de “baixo risco e vulnerabilidade”.
O consultor José Elias de Godoy aplica o conceito de “anéis de segurança” para fazer diagnóstico e sugerir medidas preventivas
Matéria publicada na edição 160 ago/11 da Revista Direcional Condomínios
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