Síndica Vera Rogato: sintonia com os condomínios

“Há três meses eu vivi um momento mágico, como se fosse uma recompensa por tudo que construí em meus 53 anos de vida, sendo 27 deles no direito condominial e 18 na sindicatura profissional. Fui convidada a participar de um painel com síndicas de sucesso na Expo Síndico, no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Lá estava eu, uma mulher negra, falando sobre atuar em condomínios nos Jardins, uma das regiões mais valorizadas de São Paulo, a quarta maior cidade do Planeta. Mesmo que, às vezes, eu seja acometida pela ‘síndrome do impostor’ – um incômodo que nos faz questionar nossa capacidade e traz certa insegurança – me rendi ao fato de que lidar com o nível de exigência da classe AAA e ter contratos renovados nesse nicho é uma grande conquista.

Fernando Salles

“SOU DINÂMICA, A VITALIDADE DOS CONDOMÍNIOS COMBINA COMIGO”

Vera Rogato, de 53 anos, é síndica, advogada e conciliadoraVera: sindicatura nos Jardins

Havia mais uma síndica negra, do Rio, no palco e outras na plateia, o que me deixou muito feliz porque raramente vejo síndicos negros em eventos do setor. Aliás, sempre que vejo uma mulher negra, faço questão de ir cumprimentá-la após o evento e dar um abraço. Com homens, fico mais contida para não ser mal interpretada, afinal nem todos entendem o entusiasmo feminino. Melhor evitar, já bastam os episódios constrangedores de assédio no início de sindicatura. Uma vez, assim que terminou a assembleia, um senhor muito distinto perguntou quanto eu queria para sair com ele. Aquilo me tirou o chão, acho que naquele dia fiquei branca (risos!). Fui convencida a abafar o assunto; hoje o desfecho seria outro.

No evento do Copacabana, eu me senti plena também pelo lado pessoal, com dois filhos criados, felizes. Já o Eduardo, meu esposo, que é engenheiro de manutenção, estava na plateia. Sempre brinco que sou uma síndica de sorte, casada com ‘o cara da manutenção’. O curioso é que quase 30 anos atrás, ele e eu fomos ao ‘Rock in Rio’. Éramos estudantes, com dinheiro contado, e nos sentamos na areia da praia, em frente ao Copa, para comer o lanche que havíamos levado. Conversamos sobre como seria o hotel por dentro e quem seriam aqueles hóspedes elegantes. Depois, comentei sobre isso com meu pai, que disse: ‘Um dia você estará lá, é só querer’.

Os meus pais eram do interior da Bahia; ele era filho de madeireiro; ela, filha de delegado, ambos da roça. Fugiram para São Paulo e fincaram raízes na Vila Mariana. Ele preferiu não se instalar na periferia para que os futuros filhos tivessem mais oferta de escolas. Começaram a vida em um cômodo, o meu berço ficava não muito distante do fogão. Sou a filha mais velha, tenho uma irmã psicóloga, um irmão engenheiro, e o outro, arquiteto. O meu pai foi empreiteiro, depois construiu e administrou pensões e, então, hotéis, e se formou em Psicologia. Teve uma ascensão profissional e financeira admiráveis. Faliu algumas vezes, mas se reergueu. Com meus 14, 15 anos, eu gostava de ajudar a família na administração das pensões. Era a ‘sementinha de síndica’ sendo plantada.

A minha mãe era branca dos olhos claros, o meu pai, negro. Eu e minha irmã temos a pele mais escura do que nossos irmãos. As vizinhas diziam para minha mãe que éramos muito bonitas. Eu dizia que era mentira, pois me sentia diferente, feia, e tinha a questão do cabelo. Se houvesse uma Maju Coutinho (apresentadora do ‘Fantástico’) naquele tempo, teria feito uma diferença enorme na minha autoestima de garota. Meus irmãos e eu quase não lidamos com preconceito racial na infância, mas depois soube que meu pai foi com a minha mãe no programa de auditório ‘Clube do Bolinha’ e não deixaram ele entrar por conta de sua pele negra.

Em casa fomos ensinados a estudar, trabalhar, conquistar nosso espaço, sermos autoridade naquilo que faríamos. Tivemos estudo, algumas viagens, carros. Mas os conselhos, esses foram vitais! ‘Vera, nunca saia de casa desarrumada porque um branco pode fazer isso, mas você não; vão te desrespeitar’, dizia meu pai. Estudei em escola estadual; depois, devido a longas greves, fui matriculada no Colégio Benjamim Constant, uma escola particular, alemã. Também fiz balé clássico, o que te dá uma postura não só física, mas para a vida.

Na faculdade, cursei Direito por causa de um senso nato de justiça. Ironicamente, enquanto estagiava em um escritório de advocacia, e comentei com as colegas que o dia havia sido puxado, escutei do chefe que, se não fosse pela Lei Áurea, estaria trabalhando muito mais e sem receber. Desatei a chorar, foi um momento bem difícil. Mas sou forte, talvez pela ancestralidade, talvez pela criação.

A bagagem que trago me faz ser quem eu sou e transitar com desenvoltura em condomínios de luxo. O mercado não é fácil, é preciso ter paciência, elegância, diplomacia e jogo de cintura. O grande desafio da sindicatura é lidar com egos e vaidades, mas qual profissão não tem percalços? Às vezes, uma moradora que vota contra a ideia de substituir as esquadrias, e briga por isso, na verdade está com o ego ferido porque sua vizinha tem dinheiro para isso e ela não. Noutras, o condômino só quer ser ouvido e poder expressar sua contrariedade.

Abracei a sindicatura em meados de 2000. A trabalho, como advogada, conheci a síndica de um condomínio nos Jardins que me convidou a assumir o posto dela. Relutei em aceitar, mas estou como síndica desse condomínio há 18 anos, e outros vieram por indicação – hoje são dez. Como sou dinâmica, me identifiquei com a vitalidade dos condomínios. O meu perfil são edificações com até 20 unidades; gosto de conhecer os moradores e suas necessidades.

Na gestão condominial, o pulo do gato é se cercar de boas empresas para grandes obras e de prestadoras de serviço que te socorram a hora que for. Acredito também que se deve evitar a judicialização a todo custo. Eu primo pela paz na vida condominial. Discussão judicial promove uma atmosfera ruim no condomínio, além de desvalorizar o imóvel em si porque se um comprador interessado tiver acesso às certidões desse condomínio, poderá desistir do negócio se suspeitar de que não terá sossego no novo lar. É preciso ter esse cuidado”.

Vera Rogato, em depoimento concedido a Isabel Ribeiro


Matéria publicada na edição 286 fevereiro/2023 da Revista Direcional Condomínios

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