Síndico bonzinho, não! Liderança humanizada, sim.

Querer agradar sempre, às vezes até ignorando regras para não ferir o ego alheio pode arranhar a imagem do síndico. Tem mais credibilidade quem atua dentro das normas e segue modelo de gestão que prioriza o trato com habitantes e trabalhadores do condomínio, valendo-se de empatia e comunicação clara na busca por um ambiente mais harmonioso.

Você já se perguntou se é um síndico bonzinho ou um bom síndico? Na opinião da síndica profissional e psicanalista Mari Sobral, o bonzinho é aquele que consente, não quer se desgastar com nada, nem deseja se envolver. E o bom síndico? “Este sabe dizer não, até porque ele não fala de um modo intransigente, mas diz não com educação e, se preciso, acompanhado de boa explicação”, aponta o síndico Luis Lopes, há 20 anos na sindicatura.

Tanto Mari quanto Luis já ouviram de moradores a clássica frase: “O outro síndico que era bonzinho, ele deixava”. Mas ambos sabem que ser permissivo demais, ou mesmo omisso, no intuito de não desagradar aos outros pode manchar a reputação, “porque os condôminos estão cada vez mais atentos à gestão do síndico”, como observa Mari. Pode também colocar o próprio condomínio em risco, como pondera Luis Lopes. Ao fazer inspeções quando assume um condomínio, vira e mexe ele encontra pertences de condôminos na casa de máquinas (como sobras de azulejos e móveis). Em garagens, ele também costuma encontrar vagas entulhadas. “Eu emito um comunicado solicitando a retirada dos objetos em no máximo 30 dias. O meu lado, digamos, bonzinho, é estipular um prazo de remoção razoável”.

Em uma dessas ocasiões, Luis foi abordado por um condômino que mantinha latas de tinta a óleo e aguarrás na vaga do carro. “Ele estava bravo, dizendo que a vaga era dele e que jamais pediram que tirasse as latas. Pacientemente, falei sobre convenção e medidas de segurança. Informei que, inclusive, ao solicitar que ele retirasse aquele material inflamável, eu o estava preservando de ser responsabilizado por algum acidente futuro, pois é o que poderia acontecer se os produtos permanecessem no local e, por uma casualidade, houvesse um incêndio. Ao final ele concordou comigo”, conta o síndico.

A questão do boleto em atraso também é outro teste de limites para síndicos. “Uma vez um conselheiro veio me dizer: eu te autorizo a isentar os juros da Dona Maria porque ela só consegue pagar o boleto cinco dias após o vencimento, quando recebe a aposentadoria. Respondi que não, que só o faria caso houvesse deliberação em assembleia. O dinheiro da cota condominial não é do conselho, não é do síndico. Não podemos conceder descontos ou abater multas e juros”, destaca Luis. Mas ele reconhece que em início de carreira foi muito inflexível com inadimplentes. “Eu era duro, mas fui entendendo que mesmos bons pagadores passam por más fases, o que já aconteceu comigo. É preferível dialogar e propor um acordo de pagamento da dívida”.

Para Mari Sobral, síndicos são chamados a transgredir regras o tempo todo. “Um exemplo são os arquitetos, que teimam em querer entrar nos condomínios nas manhãs de domingo, para finalização de alguma obra, o que acontece muito em implantações. Sabem que não é permitido, mas insistem, dizem que não farão barulho. Outra solicitação típica é para esticar o horário de uso do salão de festas, e aí eu explico todos os porquês de existir um horário padrão nos salões de condomínios residenciais”, diz Mari, e completa: “Não é bom abrir exceções às regras porque os moradores conversam entre si, ficam sabendo, e depois o síndico acaba desacreditado no condomínio”.

Isso não quer dizer que Mari atue com mão de ferro. “Tem momentos em que precisamos nos colocar no lugar do outro para entender que devemos tomar alguma providência que vai além de um simples pode ou não pode”, discorre a síndica, e prossegue: “Com os adolescentes do condomínio em que sou síndica orgânica, na zona norte, havia um inconveniente. Eles ficavam conversando até tarde da noite em bancos do jardim, mas as unidades mais próximas reclamavam. Então, criei condições para que se apropriassem de uma sala de jogos ociosa. Instalei, por exemplo, uma televisão para que jogassem videogame. No entanto, eles me pediram para liberar a sala até 23 horas, uma hora a mais. Teria sido mais fácil dizer não, mas achei que tinham razão, por isso instituímos novo horário às sextas-feiras e sábados. E deu supercerto! Eles só queriam ser ouvidos e terem o espaço deles”.

Segundo Luis Lopes, o bom síndico precisa saber medir a necessidade do outro, sendo empático, o que possibilita flexibilizar algumas regras, desde que, claro, seja preservada a harmonia coletiva. Cita como exemplos abrir concessões à entrada de veículo não cadastrado para o embarque e desembarque de algum morador com dificuldade de locomoção, ou ser tolerante quando uma mudança ultrapassar um pouco a previsão de término. Quanto aos trabalhadores do condomínio, ele defende uma gestão humanizada, com direito a café da manhã, e condições dignas para fazerem suas refeições. “Em época de festas, como agora, sempre sugiro aos moradores que desçam para cumprimentá-los. Não precisa dar presente, basta apertar a mão e desejar feliz Natal. A maioria acata minha sugestão e os trabalhadores, pode ter certeza, ficam contentes com esse gesto.”

APRENDA A LIDERAR

O síndico orgânico ou profissional exerce função de líder, porém, nem todas as pessoas sabem ou têm capacidade de exercer uma liderança adequada, conforme observa a psicóloga Rosalba Filipini, docente da PUC-SP. O medo, explica, está muito ligado à insegurança, e dizer “não” significa dar limite ao outro, o que gera reações nem sempre agradáveis de se lidar. “Dessa forma, se eu não estou apropriado do meu papel de liderança e de suas prerrogativas, posso titubear diante de situações que exigirão atitude firme e de limites”, esclarece Rosalba, que dá dicas para uma nova conduta. Confira:

1. Compreenda que permissividade não é resolução de problema;

2. Identifique o que te deixa mais seguro (respirar fundo, beber um copo d’água, estar munido de documentos etc.) e os utilize sempre que tiver necessidade;

3. Aproprie-se do seu papel o máximo possível: conheça profundamente o condomínio, desde os processos de funcionamento, os colaboradores e até moradores;

4. Diante de situações problema procure se informar bem antes; identifique as questões principais; procure embasar suas ideias com bons argumentos; tenha uma comunicação clara;

5. Acredite que você está bem-preparado para exercer seu lugar de liderança, que por vezes, será dar limites.

Matéria publicada na edição-306-nov-dez/24 da Revista Direcional Condomínios

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