Síndico pode vetar locação temporária por causa da pandemia?

As medidas restritivas adotadas pelas autoridades da saúde para conter o avanço do contágio do novo Coronavírus (Covid-19) mexeram muito com a operação diária dos condomínios. Uma das questões que têm sido levantadas pelos condôminos é se o gestor encontra respaldo neste momento de excepcionalidade para fazer cessar locações de temporada nos apartamentos.

Observamos, no momento, a formação de uma nova demanda por locação de temporada, agora para acolher pessoas que preferem ficar próximas do trabalho (essencial), evitando o transporte público; ou que precisam estar em quarentena e querem um local mais sossegado para trabalhar durante o período do home office. São demandas para um período entre 30 a 90 dias.

Mediante esta nova tendência e o contexto de pandemia, o síndico poderia, em defesa da saúde do ambiente coletivo, impedir a entrada de novos inquilinos que chegam por meio de locação temporária via aplicativos?

O aluguel por temporada através dos aplicativos ainda não é previsto em lei. Existe um projeto de lei em trâmite no Senado que trata do assunto. É o PL 2.474/2019, que altera a lei de Locações, incluindo o Art. 50-A, e proíbe a locação em condomínios edilícios exclusivamente residenciais por meio de aplicativos, salvo se ela estiver prevista na Convenção, limitando o prazo da locação ao que determina o Art. 48 da mesma Lei, que é de até 90 dias.

Este Art. 48 da Lei de Locações (Lei nº 8.245/1991) determina o seguinte:

“Considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorram tão somente de terminado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.

Parágrafo único. No caso de a locação envolver imóvel mobiliado, constará do contrato, obrigatoriamente, a descrição dos móveis e utensílios que o guarnecem, bem como o estado em que se encontram.”

Ou seja, o dispositivo prevê um prazo máximo, mas não um tempo mínimo para que seja considerada locação por temporada.

Os moradores e o síndico, portanto, não podem barrar este tipo de locação alegando “contaminação”, porque é uma restrição ao direito de propriedade. A recomendação durante este período de pandemia é que os condôminos apenas limitem a circulação excessiva de pessoas no apartamento.

Embora o ministro Luis Felipe Salomão, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), tenha se manifestado a favor da locação por meio de aplicativos de hospedagem em outubro do ano passado, devemos ressaltar que as decisões proferidas pela corte não possuem efeito vinculante (não obrigam todos a agir da mesma forma), apenas podem uniformizar as decisões judiciais nas instâncias inferiores.

Isso ocorre porque as referidas instâncias possuem o que chamamos de “livre convencimento motivado”, que podem divergir do entendimento do STJ. O processo no STJ ainda não foi finalizado e o caso iniciou no Rio Grande do Sul, ajuizado por alguns condôminos contra o condomínio que proibiu a locação por meio de aplicativo, de modo que a decisão do STJ vale somente para as partes que constam no processo.

A grande briga dos condomínios é que na locação por aplicativo os proprietários oferecem serviços que caracterizam hotelaria (toalhas, serviço de limpeza como o de camareira, com a troca das roupas de cama etc.) e isso caracterizaria um desvio de finalidade do condomínio residencial, o que deveria ser aprovado pela maioria absoluta dos condôminos. 

No Projeto de Lei do Senado determina-se que a locação por temporada deverá estar prevista na Convenção do Condomínio e o quórum previsto para alteração é o do Código Civil (2/3 dos condôminos). A proibição, por outro lado, também deverá constar na Convenção do Condomínio e não somente por decisão em assembleia.

Mas até que isso tudo esteja regulamentado e as convenções plenamente adaptadas, o síndico não poderá vetar este tipo de locação, que é uma realidade cada vez mais presente nos condomínios brasileiros e, atualmente, pode ser considerada uma fonte de renda para muitas pessoas diante da instabilidade econômica causada pela pandemia que atinge inúmeros países. 

De qualquer maneira, os cuidados para a preservação da saúde nas áreas comuns, de restrição de circulação, bem como as medidas de segurança e cadastro adotadas para novos inquilinos, terão que ser cumpridos.


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Autores

  • Irina Uzzun

    Advogada sócia do escritório Irina Uzzun Sociedade de Advogados, professora universitária, pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD) e mestranda em Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais pela EPD. Irina Uzzun foi síndica orgânica do Condomínio The Spotlight Perdizes, em São Paulo, durante 5 mandatos seguidos. Atuou como síndica profissional.

  • Jornalismo Direcional

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