Sobre crianças, flores e frutos

Crianças precisam de espaço para brincar e interagir com seus amigos. Dentro dos condomínios, elas podem correr, gritar, pular, mas apenas em lugares e horários específicos. Isso não é privar as crianças da infância, mas é a forma de se organizar a vida no coletivo.

Ilustração: Lígia Ramos

Já disse isso antes, em minha coluna de estreia, e repito: normalmente os empreendimentos são entregues para encher os olhos dos condôminos. O verde com certeza é um atrativo para os amantes das plantas, e com certeza é um universo a ser explorado e descoberto pelas crianças, mais ainda para aquelas cujas famílias não oferecem a oportunidade de momentos junto à natureza. Cores, formas, possibilidade de esconderijo, quantos atrativos uma planta pode oferecer para a mente fértil de uma criança.

Porém, dentro de nossos condomínios, temos espaços para as crianças interagirem com a natureza? Ou temos apenas canteiros ornamentais com função paisagística? Ou, ainda, de cumprimento de termos de compensação ambiental? Existe alguma árvore que as crianças possam subir? Experimentar seus frutos? Existe algum canteiro de flores que possam ser colhidas para enfeitar a cabeça de uma de nossas princesas ou se tornar um buquê que vai virar presente do Dia das Mães? 

A resposta provavelmente é não, pois sinceramente não se tem nenhum desses itens como pré-requisito para projeto de jardim urbano. Creio que as crianças são completamente esquecidas quando se fala de projeto paisagístico e, não raro, encontramos plantas tóxicas e com espinhos inseridas em condomínios.

Lanço, então, a seguinte reflexão: é justo apenas cobrar que nossas crianças não brinquem de esconde-esconde e sapateiem em canteiros se não há nenhum lugar onde elas possam interagir com a natureza? As árvores do TCA (Termo de Compensação Ambiental) são intocáveis. O muro verde, que custou uma fortuna, mais parece uma obra de arte fixada no muro. Embaixo das palmeiras não se brinca porque suas folhas, não raro, caem e podem machucar alguém. A horta é área para adultos e claro que as jabuticabas e pitangas, muitas vezes, não são corretamente cultivadas e não produzem fruto algum. Assim sendo, onde está a parte destinada ao público mirim? Como ensinar respeito ao verde e cidadania se não permitimos às crianças conhecer e interagir com as plantas do quintal?  Sim, quintal, não esqueçamos que as áreas comuns com piscina, quadra, pátio e jardins são o quintal de muitas famílias que coabitam e dessa forma possuem uma função social clara de espaço para socialização e recreação coletiva supervisionada.

De forma alguma estou fazendo apologia à depredação do patrimônio verde dos condomínios, muito pelo contrário. Mas, como síndica profissional, tenho experiência de anos de reposição de gramados e gestão de conflitos entre crianças e os amantes das plantas. Uma luta inglória onde as vítimas não são apenas o condomínio e as plantas, mas também as próprias crianças.

Muitos anos atrás, ao fazer o trabalho de conclusão do curso de bacharelado e licenciatura em Ciências Biológicas pela UNICAMP, formatei um curso de educação sexual para crianças através do estudo dos aparelhos reprodutores das plantas. Anatomicamente e funcionalmente existe total analogia com os órgãos humanos, e a beleza e esforço da natureza para conseguir cumprir a mesma função reprodutiva nas espécies vegetais é algo espantoso, que encanta as crianças e as aproxima do meio ambiente.

Com tantas possibilidades de educação, diversão e formação cidadã oferecidas pelo contato com as plantas, me parece um grande desperdício que não façamos um mínimo esforço para a criação de espaços verdes para nossas crianças dentro dos condomínios. Assim, seguem algumas sugestões para serem implementadas de forma simples e criativa. Confira:

– Faça uma horta e convide as crianças a plantarem e acompanharem todos os ciclos. Sugestão de plantas que possuam ciclos completos, com flores e frutos. Exemplos bons são tomate, abóbora e morango.

– Crie um viveiro de mudas num canto do condomínio. Produza mudas de todas as sementes que as crianças tiverem em suas casas e depois ofereça a todos fazendo uma feirinha. Sugestões: araucária (basta enterrar um pinhão), maçã e mamão.

– Tenha um jardim para colher flores. Sugestões: cosmos (Cosmos sulphureus Cav.), esporinha (Delphinum grandiflorum) e margarida (Leucanthemum vulgare).

– Crie um projeto de compostagem. Existem kits prontos e vários tutoriais na internet que possibilitam que se gere adubo de qualidade para todos os canteiros. Essa atividade possibilita que as crianças entendam a importância do ciclo de decomposição, fundamental para nosso ecossistema.

Talvez com crianças motivadas e entretidas nos cuidados com a natureza possamos diminuir conflitos e criar ambientes que possibilitem uma convivência mais harmoniosa para todos nos condomínios.


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