Em Junho deste ano de 2018, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento a respeito da possibilidade de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e impossibilidade de apreensão de passaporte do devedor em processos de cobrança de dívidas.
Em síntese, ao analisar uma decisão proferida por um juiz de Sumaré (SP), que concedeu a ordem de suspensão da CNH e do passaporte de um senhor que devia uma duplicata de prestação de serviços na importância de quase R$17 mil, o Tribunal entendeu que a restrição do uso do passaporte é limitação à liberdade de locomoção, que pode significar constrangimento ilegal e arbitrário. Porém, de modo contrário, decidiu que o mesmo não persiste em relação à CNH, ou seja, que a suspensão desta não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular.
Mas ao contrário do que muitos entenderam, o Tribunal não proibiu a apreensão do passaporte em outros casos, pelo contrário, expressamente ressalvou esta possibilidade desde que obedecido o contraditório e fundamentada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência.
Tal tema tem atormentado os Tribunais dos Estados, especialmente após a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que inovou o ordenamento jurídico com a possibilidade de expandir os tipos de formas e medidas a auxiliar o devedor a receber seu crédito. Isto é, medidas atípicas (aquelas não especificadas em lei, por isso, não típicas da legislação) tendentes à satisfação da obrigação que está sendo cobrada/executada, inclusive as de pagar quantia certa. Passou a incumbir ao juiz, entre seus poderes, deveres e responsabilidades, a determinação de todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
Será, então, que finalmente os Tribunais passaram a possibilitar a apreensão de CNH e passaporte nas cobranças de despesas condominiais? Pesquisando no Tribunal de Justiça de São Paulo, apenas dois casos já foram julgados após a decisão do STJ e até o momento, especificamente em relação a cobranças de contribuições de condomínio. O primeiro foi analisado em Setembro pela 30ª Câmara, que manteve o indeferimento dos pedidos de apreensão de CNH e passaporte em primeira instância; e o segundo foi examinado pela 31ª Câmara, a qual respeitou o entendimento assentado pelo STJ, apesar de compreender que no caso concreto não houve o esgotamento de meios necessários à satisfação da execução antes do pedido de apreensão dos documentos pessoais do devedor. Vejamos:
“Agravo de instrumento – Ação de cobrança decorrente de despesas condominiais – Cumprimento de sentença – Suspensão da CNH, cartão de crédito dentre outras restrições – Medida inadequada – Coercitividade que não assegura o cumprimento da obrigação ora discutida – Indeferimento de pedido de pesquisa para localização de bens passíveis de penhora da executada. Não há o que tirar ou acrescentar à fundamentação do que foi decidido quanto ao inconformismo do agravante com parte da r. decisão agravada que indeferiu o bloqueio de cartões de crédito, suspensão da CNH, apreensão do passaporte da executada, tendo-se em conta que tais medidas coercitivas não asseguram o cumprimento da obrigação ora discutida. Em que pese a nova sistemática trazida pelo Art. 139, IV, do CPC/2015, deve-se considerar que a base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal – Há interesse estatal na realização da atividade jurisdicional no mais breve espaço de tempo possível, e, portanto, justificativa para a solicitação de pesquisas para a localização de bens passíveis de penhora da devedora, às expensas do exequente. Agravo provido em parte.” (TJSP; Agravo de Instrumento 2152418-59.2018.8.26.0000; Relator (a): Lino Machado; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II – Santo Amaro – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/09/2018; Data de Registro: 05/09/2018).
“Agravo de Instrumento. Despesas condominiais. Ação de cobrança. Fase de cumprimento de sentença. Pretensão de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) dos executados, com fundamento no Art. 139, IV, do CPC/2015. Medida prematura, no caso concreto. Inexistência de comprovação de esgotamento das medidas ordinárias tendentes à satisfação da execução. Recurso improvido, com observação. Na hipótese de restarem frustradas todas as tentativas de localização de bens aptos à satisfação da execução, cabível, em tese, o deferimento do pedido de suspensão da habilitação para conduzir veículos do devedor (CNH), medida que não viola o direito constitucional de ir e vir, conforme entendimento assentado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (STJ) e por esta 31ª Câmara de Direito Privado deste Tribunal de Justiça de São Paulo. Todavia, no caso, conquanto o agravante afirma ter esgotado todos os meios necessários à satisfação da execução, não há demonstração, neste instrumento, de investida em outros eventuais bens dos executados para eventual penhora e consequente expropriação. Destarte, a medida pretendida é prematura e, ao menos por ora, não atende aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade. Por isso, observa-se que o exequente deve, primeiro, esgotar a investida em bens diversos para, depois, cogitar de outros valores ético-jurídicos na busca da efetividade do processo, a fim de se pensar em apreensão e suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) dos executados.”
(TJSP; Agravo de Instrumento 2182297-14.2018.8.26.0000; Relator (a): Adilson de Araujo; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III – Jabaquara – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/09/2018; Data de Registro: 13/09/2018).
Num contexto geral, a análise dos demais casos do Tribunal Paulista comprova a falta de efetividade na medida de apreensão da CNH sob os mais diversos argumentos das diferentes Câmaras de Direito Privado, como a desproporcionalidade e desarrazoabilidade da medida, além da ausência de utilidade para a satisfação do crédito e falta de correlação entre a apreensão do documento e a satisfação do débito.
Não se pretende desestimular as tentativas dos mais diversos advogados, nem desencorajar os síndicos, pelo contrário, o estudo quer propor que para se ter êxito na tentativa, se preencha o principal requisito analisado por todos os julgadores, mesmo os que indeferiram, qual seja, o esgotamento das medias executivas ordinárias.
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