Uso de substâncias ilícitas e lícitas (drogadição) em condomínios e resolução pelos métodos consensuais

“Os condomínios e os loteamentos como comunidades de vizinhança, considerados pequenas cidades inseridas na urbanização, devem garantir em suas Convenções, Regulamentos Internos e Estatutos de Associações as regras para um bom convívio, e retratar o respeito ao indivíduo, assim como a preponderância do interesse coletivo. Para tanto, construir o diálogo comunitário é essencial para produzir um bom conteúdo no contexto.”

Tratar das questões relativas à drogadição nos condomínios e loteamentos tem se tornado um desafio contemporâneo, cuja discussão é multidisciplinar, densa e complexa. Neste contexto, a reflexão sobre o tratamento da adição às drogas (lícitas e ilícitas), e o tratamento preventivo aos conflitos internos potencialmente decorrentes, tornam-se uma preocupação sempre crescente da sociedade brasileira. Ambos são urgentes.

Os comportamentos nestes “ambientes protegidos” das comunidades de vizinhança certamente reproduzem o que observamos na sociedade como um todo, porém, com algumas peculiaridades. Conflitos entre vizinhos sempre foram um foco de tensões sociais, ambientais, econômicas e jurídicas.

O modelo de vida em sociedade urbanizada, que vive de maneira adensada, obriga à convivência social próxima com pessoas de diferentes características individuais, além de diferentes desejos e anseios. Os condomínios e os loteamentos como comunidades de vizinhança, considerados pequenas cidades inseridas na urbanização, devem garantir em suas Convenções, Regulamentos Internos e Estatutos de Associações as regras para um bom convívio, e retratar o respeito ao indivíduo, assim como a preponderância do interesse coletivo.

O Código Civil norteia condições e limitações do uso da propriedade, afirmando que o proprietário (ou o possuidor) de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à saúde, à segurança, e ao sossego dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha (Art. 1.277 do Código Civil).

As substâncias rotuladas e classificadas como drogas, por sua vez, também nomeadas tecnicamente de psicotrópicos – substâncias capazes de alterar o funcionamento mental ou psíquico das pessoas (psico=mente + trópico=atração por), agem na mente/cérebro e são capazes de alterar como agimos, pensamos e sentimos. Causam ainda dependência química (corpo físico), psicológica e mesmo emocional. São também chamadas de entorpecentes, seu uso é bastante comum, e em alguns contextos, generalizado.

Riscos envolvidos com a drogadição

Estar envolvido com qualquer tipo de drogas traz inúmeros riscos: aqueles relacionados aos seus efeitos, os sociais, os de dependência e os riscos legais.

Em 2006, há cerca de apenas uma década, foi promulgada a lei que instituiu o SISNAD –Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. Trata-se de uma política pública, macrossocial generalizada para todo País, independentemente de região, e que prescreve medidas para prevenção do uso indevido; atenção ao usuário como indivíduo, com história própria; e reinserção social de usuários e dependentes de drogas. Estabelece também normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito e define crimes (Lei 11.343/06, Art. 1º.). Como texto legal é bem claro e objetivo.

Importante notar que esta lei traz em sua redação, sempre em primeiro lugar, o imperativo do tratamento à prevenção, aos usuários, e depois medidas relacionadas à produção, comercialização e tráfico propriamente. Esta lei pode servir de inspiração aos gestores dos ambientes coletivos, no contexto intramuros, como condomínios e loteamentos fechados, especialmente quando da escrita de suas normas internas, convenções, estatutos associativos e regulamentos internos.

A lei trouxe tipologia e penas para as práticas discriminadas. Destacamos dois pontos:

– Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, assim como semear, cultivar ou colher plantas destinadas a preparação de drogas, será submetido às penas de advertência sobre seus efeitos, prestação de serviços à comunidade, e medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo (Art. 28);

– Se estes são os parâmetros de julgamento dos ilícitos no Inquérito Policial e no Judiciário, que parâmetros a lei então traz para eventual aplicação de multas e qual o tratamento a ser dado aos eventos nesta situação de vizinhança? Os condomínios e loteamentos podem multar? Podem ter a expectativa de excluir o usuário/dependente do convívio em suas instalações?

Ações possíveis e desejáveis

O conhecimento e a interpretação da legislação a respeito das drogas condicionam a boa prestação dos serviços de administração imobiliária, produzem melhores ambientes para o compartilhamento da propriedade, e ajudam a resolver os conflitos inerentes a esta convivência.

Desta forma, ressaltamos que:

– É importante que as pessoas envolvidas nesta prestação de serviços junto ao condomínio e loteamentos, desde os síndicos, conselheiros, presidentes de associações, administradores de imóveis, gestores e assemelhados desenvolvam competências para gerir os interesses individuais e coletivos. Eles devem buscar subsídios no conhecimento para questionar o papel dos coletivos compreendidos em comunidades de vizinhança frente à esta questão da adição humana a substâncias capazes de modificar o funcionamento dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou de comportamento, e a partir do uso crônico criar dependência;

– É importante também saber identificar responsabilidades dos profissionais envolvidos, conhecer padrões de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade relacional, compreender os deveres e direitos de vizinhança em condomínios, loteamentos e na cidade em geral. Nesse sentido, é importante planejar ações de administração imobiliária nos relacionamentos de proprietários e ocupantes, na funcionalidade das áreas comuns e privativas, e na gestão de conflitos pontuais destas comunidades.

O tratamento de um tema tão delicado como da drogadição justifica um cuidado especial.

Diálogos, conversas e campanhas educacionais devem ser fomentadas com o adequado encaminhamento a estes conflitos e da questão em geral. Trata-se de um desafio a ser empreendido macro socialmente, através de políticas públicas específicas e regionais, e micro socialmente nas comunidades de vizinhança como condomínios e loteamentos fechados.


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Autores

  • Michel Rosenthal Wagner

    Advogado graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1983) e mestre pela Pontifícia Universidade Católica de SP (2014). Especialista em Direito Imobiliário, Contratos, Direito Educacional e Arbitragem. Preside as Comissões de Direito Imobiliário e de Direito de Vizinhança e Urbanístico da OAB/SP – Seccional Pinheiros. É membro da Comissão Especial de Estudos sobre Educação e Prevenção de Drogas e afins da OAB/SP, prestador de serviços jurídicos de atendimento a famílias e dependentes no CRATOD (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e afins), além da Casa de Passagem (Programas do governo do Estado de São Paulo). Autor da obra “Situações de Vizinhança no Condomínio Edilício, desenvolvimento sustentável das cidades, mediação e paz social” (Editora Millennium, 2015). Consultor sócio-ambiental em Vizinhança urbana, professor, palestrante e escritor. Mediador de diálogos em conflitos coletivos urbanos.

  • Jornalismo Direcional

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