Vícios construtivos: Laudos, perícias e vistorias

Base de uma boa administração, a vistoria predial auxilia o síndico a planejar sua gestão. Laudos e perícias têm funções distintas, confira.

Edifícios

A prevenção deveria ser a lei número um dos síndicos. Deixar para depois qualquer manutenção necessária, que já está causando prejuízo a algum sistema ou equipamento do condomínio, é uma falha grave. Mas, nem sempre o síndico tem condições de notar os vícios nas instalações, sejam aparentes ou ocultos, aqueles que só irão dar sinal de vida no futuro. Para isso, ele precisa contar com o apoio técnico de um profissional da engenharia.

Uma vistoria, também conhecida como inspeção predial, dará a orientação necessária para o gestor promover as manutenções. “A vistoria é um relatório que irá ajudar o síndico a entender como está o seu condomínio. Por exemplo, ele deve primeiro fazer a pintura da garagem ou impermeabilizar a caixa d´água?”, pontua a síndica profissional Vera Rogato, há 18 anos na área, que também atua com consultoria condominial e vistorias prediais, em parceria com seu marido, Eduardo Rogato (engenheiro de manutenção e bacharel em Direito, que trabalha há mais de 23 anos com manutenção predial).

O exemplo citado onde a dúvida era pintar a garagem ou cuidar da caixa d´água, realmente ocorreu. Em um condomínio onde Vera prestou consultoria, o síndico já estava com a verba reservada para fazer o embelezamento da garagem. Mas a vistoria detectou que os reservatórios estavam com risco severo. “Havia muitas rachaduras e infiltrações, que o gestor desconhecia. A partir da nossa inspeção houve uma mudança radical de planos. Chamou-se uma nova assembleia, para aprovar uma nova destinação da verba”, explica.

O engenheiro esclarece que vistoria, laudo e perícia são itens distintos. “Quando a vistoria detecta algo mais grave, que exige um aprofundamento, orientamos a encomenda de um laudo. Se é um problema elétrico, será feito por um engenheiro eletricista. Se é na estrutura, por um engenheiro calculista ou de estrutura”, explica. Quando há judicialização do problema, o laudo dará força para a ação, e aí entra um novo elemento: o perito designado pelo juiz. “O perito será os olhos do juiz na causa”, constata Eduardo.

Crivo da Engenharia

A vistoria é uma prática comum da grande maioria das administradoras. Porém, Vera Rogato opina que são vistorias mais superficiais. “Por isso passei a fazer minha vistoria, que chamamos carinhosamente de ‘olho do dono’. Ela passa pelo crivo de um engenheiro, que assim irá elaborar um relatório com o olhar da engenharia. E esse relatório será repetido conforme as necessidades apontadas na primeira checagem.”

Eduardo frisa que uma vistoria feita por engenheiro tem um olhar mais aprofundado para determinadas situações que podem pôr em risco o futuro do condomínio. “Checamos também a operação: o sistema está funcionando de acordo com o projeto original, ou alguém já o alterou? Além de dar um raio X do prédio, a vistoria se transforma em ferramenta de gestão”, pontua.

Vera se recorda de um condomínio construído há 35 anos que estava com trincas nos pilares de sustentação. Ela foi chamada então para uma consultoria. “O síndico tinha em mãos um laudo muito preocupante, condenando todos os pilares. Porém, nosso olhar técnico nos apontou que havia tempo para uma investigação mais profunda, sem pânico. Investiu-se nessa investigação para que o gasto não fosse tão alto em algo desnecessário. Planejamos o desembolso, para que ele fosse um investimento, não uma despesa para o condomínio”, sustenta, completando que com a vistoria a gestão tem um plano de ação. “Há um documento, com respaldo técnico, para levar aos condôminos explicando porque foi tomada determinada decisão.”

Infelizmente a cultura da manutenção preventiva ainda não faz parte da rotina de muitos condomínios. “Nos residenciais é mais difícil introduzir a ideia da prevenção, convencer o morador que ele precisa despender recursos para manter o prédio. Tento trabalhar com o emocional das pessoas para que elas se sensibilizem usando a analogia que o edifício é um ser vivo, pulsante. E se ele está doente em alguma área, o todo pode ser comprometido. Todas as dores precisam ser olhadas e cuidadas. O prédio precisa estar em ordem, sadio”, aponta o engenheiro Eduardo.

A síndica Vera Rogato toca num ponto importante: nem sempre o gestor tem verba para contratar um engenheiro, e a ideia da vistoria predial pode não ser aprovada quando levada para assembleia. “A vistoria é um investimento ou um custo para o condomínio? Depende. Se o síndico engaveta a vistoria, ela será um custo. Agora, se ele se apoia na vistoria para tomadas de decisões, se aprofunda nos problemas do prédio, será um investimento”, conclui.

Além da falta de verba para uma cuidadosa análise do problema, em prédios antigos uma obra preventiva esbarra também no transtorno gerado aos moradores. “Em toda consultoria de engenharia eu tenho uma conversa séria com o síndico, porque obras, especialmente em prédios antigos, geram desconforto. Como você faz um retrofit hidráulico sem marreta e talhadeira?”, constata Eduardo. Ele cita o caso de um prédio com mais de 50 anos de vida, 20 apartamentos com oito prumadas hidráulicas em cada unidade, onde o síndico pretende trocar as colunas de água. Além do síndico ter poucas informações técnicas e do prédio ter passado por inúmeras alterações em cada unidade em todos esses anos, a troca das colunas irá obrigar cada morador a sair da sua zona de conforto e fazer uma reforma que não estava necessariamente nos planos das famílias. “Se o condomínio optar por não trocar as colunas preventivamente, o prédio irá atuar pontualmente, quando cada problema ocorrer. O que a consultoria dá é um raio X do tamanho da crise”, resume.

Cuidado na Entrega

A vistoria também é uma ferramenta importante na implantação de novos condomínios. Síndico profissional há oito anos e engenheiro civil, Sylvio Levy tem, hoje, 30% de sua carteira de clientes formada por condomínios novos, onde é indicado pelas incorporadoras para gerenciar a implantação. “Em 90% dos casos, recebo o prédio ainda em obras. E não são só alguns pintores fazendo retoques, há um efetivo de 50 a 100 pessoas terminando elétrica, hidráulica, pintura”, relata. Sylvio faz a inspeção do prédio junto à incorporadora e à administradora. “Convido inclusive o conselho para participar do recebimento. Eu tenho um olhar muito clínico, mas para vícios aparentes. Se noto problemas maiores na entrega, aprovo em AGE uma verba para contratar um engenheiro, que fará um laudo detalhado.”

Sylvio explica que em prédios grandes há vários ecossistemas a serem verificados. Ele cita um condomínio onde, além de um engenheiro civil, contratou um engenheiro mecânico para vistoriar os elevadores. “O custo dessas vistorias é pequeno comparativamente ao ganho que podem gerar para o condomínio”, constata.

O laudo de um condomínio grande pode ter de mil a 1.500 fotos e inclui a descrição de cada anomalia apontada. “Eu acompanho o engenheiro contratado e quero que o levantamento seja feito com o maior rigor possível”, diz o síndico profissional. O relatório então é enviado para a construtora, que responde item por item: “Alguns ela julga procedentes e atende. Outros ela pede para verificar. E alguns responde que não são procedentes. O importante é que o síndico cumpriu seu papel e protocolou os pedidos junto à construtora.” Pela sua experiência, Sylvio verifica que alguns itens são corrigidos pela construtora em até 90 dias, mas a maioria deles, dentro de um ano, e outros podem levar até dois anos para serem resolvidos.

Segundo Sylvio Levy, entre os problemas usuais nas entregas de condomínios novos estão:

  • tubulações aéreas de garagens sem identificação e sentido de fluxo;
  • shafts de elétrica ao longo dos andares sem identificação nos cabos;
  • relógios de gás sem a identificação do número dos apartamentos para evitar ligações de gás em unidades erradas;
  • caimentos inadequados de piso das áreas comuns;
  • descumprimento de normas de acessibilidade.

Sylvio frisa que é importante a verificação de todo o condomínio na entrega. “Um exemplo: o manual do síndico reza que eu devo cuidar da serralheria, mas devo receber as instalações sem pontos de corrosão. Se existirem e não forem sanados pela construtora, o condomínio depois terá que corrigi-los”, resume.  


Matéria publicada na edição 294 out/2023 da Revista Direcional Condomínios

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