Vícios construtivos pós-implantação do condomínio

Na entrega do condomínio, vale contratar um engenheiro especializado para identificar vícios ocultos e até mesmo aqueles aparentes que passam despercebidos. A inspeção detecta problemas que só irão se manifestar depois e dessa forma é possível antecipar-se a eles, corrigindo-os no prazo de garantia da construtora.

Exemplos de vícios reunidos pelo engenheiro
Marcus

Exemplos de vícios reunidos pelo engenheiro Marcus: 1- Vício aparente: sujidade em fundo do reservatório de água potável; 2- Vício oculto para leigos: deveria haver rampa inclusiva no lugar de degraus no acesso ao parquinho; 3- Potencial vício oculto: corrosão galvânica com contato bimetálico da cordoalha de cobre com o rufo galvanizado (antes da manifestação, seria possível notar o contato dos metais de nobreza diferente, e saber que eles gerariam uma corrosão acelerada no rufo); 4- Potencial vício oculto: fissura devido a movimentação térmica do piso (antes de ocorrer, teria sido possível notar a necessidade ou não de junta de movimentação, pela extensão de área do piso, nível de exposição solar etc.) 

Quem é síndico de um prédio novinho, recém-entregue, pode achar que a vida vai ser fácil. Mas alguns percalços acabam com o sossego. São os vícios construtivos, nem sempre fáceis de serem identificados por leigos e que devem ser corrigidos pela construtora durante o período de garantia do imóvel.

Segundo o engenheiro civil Marcus Vinícius Fernando Grossi, doutorando em Tecnologia da Construção e mestre em Tecnologia da Construção de Habitações, a norma técnica Participação dos intervenientes em serviços e obras de engenharia e arquitetura (NBR 5671, da ABNT), define as responsabilidades de cada agente da construção civil. “A norma cita que o proprietário deve fazer a inspeção no momento da passagem de bastão: o incorporador está passando o empreendimento para o usuário que terá que cuidar dele dali para a frente. Legalmente é uma mudança de responsabilidades, e é importante fazer um check-up para estar ciente do que se está recebendo e ter as condições de segurança que se espera do imóvel”, afirma o engenheiro.

É usual que o próprio síndico, ou uma comissão de moradores, faça a inspeção das áreas comuns. Mas o ideal é a contratação de um engenheiro habilitado para isso. “Se a inspeção não for bem feita, o condomínio pode perder o direito de reclamar de algumas coisas. Há vícios aparentes e há os ocultos, que só serão percebidos por um técnico, e que podem gerar problemas no futuro”, explica Marcus. Um vício aparente pode ser um ponto de corrosão ou uma fissura que uma pessoa detalhista consegue identificar, “sem, contudo, saber a gravidade, mas um técnico saberá o risco disso”, pontua.

O engenheiro explica também que nem só de manifestações patológicas vivem as inspeções de recebimento do imóvel. É possível, por exemplo, que o prédio não tenha condições de acessibilidade e o condomínio pode ser processado por não atender as normas. “Podem faltar guarda-corpos, colocando especialmente crianças em risco”, diz Marcus, autor de “Inspeção e Recebimento de Obras/Edificações Habitacionais”, livro que trata justamente dos cuidados com a inspeção de prédios novos.

Uma dúvida muito comum entre síndicos e condôminos diz respeito ao prazo de garantia de uma edificação. Pelo Código de Defesa do Consumidor, a garantia é de cinco anos. Mas, a engenheira civil Kelly Ramos de Lima, mestre em Habitação, pós-graduada em Patologia das Edificações e em Gestão de Projetos, frisa que, se o prédio foi construído depois de 2013, ele se enquadra na Norma de Desempenho (NBR 15575), que determina prazos de garantia diversos para cada componente da construção. Kelly lembra que o que vale é a data de aprovação de projeto na Prefeitura – portanto, projetos aprovados após 2013 se enquadram na regulamentação. “A Norma de Desempenho foi idealizada para que as edificações sejam concebidas e executadas para garantir conforto e segurança aos usuários. Ela engloba conceitos como: vida útil, garantia legal, garantia certificada e prazos de garantia, definindo as responsabilidades dos projetistas, construtores, incorporadores, fornecedores de produtos e usuários”, atesta Kelly.

No entanto, para ter as garantias pré-determinadas, o síndico deve seguir a norma NBR 14037 (Diretrizes para elaboração de manuais de uso, operação e manutenção das edificações – Requisitos para elaboração e apresentação dos conteúdos), juntamente com o Manual do Síndico entregue pela construtora. “Muitos condomínios estão sendo prejudicados por desconhecimento dos síndicos. A manutenção deve começar na implantação do condomínio, e não após os cinco anos de garantia da construtora. Assim a edificação não corre o risco da perda da garantia e aumenta a vida útil do imóvel e sua valorização”, completa Kelly.

A engenheira elenca os sistemas e subsistemas da edificação que apresentam diversas reclamações nos primeiros anos da entrega do condomínio:

a) Vazamentos diversos (impermeabilização);

b) Trincas e fissuras (alvenaria e acabamentos);

c) Entupimento ou odores de esgoto dentro das unidades (instalações hidráulicas);

d) Variação de vazão e pressão nas unidades (instalações hidráulicas);

e) Queima excessiva de lâmpadas (instalações elétricas);

f) Ruído de impacto de piso e escoamento de água (acústica).

Kelly orienta que o síndico ou morador, ao detectar quaisquer problemas nas áreas comuns e privativas, deve acionar a assistência técnica da construtora descrevendo a situação para que seja agendada uma vistoria e proposta a solução do caso, se a reclamação for procedente. Importante: alteração na unidade privativa, como demolição, mudanças de layout, trocas de revestimentos, alterações de pontos hidráulicos, podem gerar uma não conformidade e até perda da garantia. Para as áreas comuns, a perda da garantia poderá ocorrer se for detectado ausência de manutenções, uso e operações conforme determinado no Manual do Síndico e manuais dos fabricantes de cada componente.

Kelly cita alguns cuidados que os síndicos devem ter nos principais sistemas do condomínio para que não ocorra a perda da garantia:

  1. Impermeabilização: fazer inspeções periódicas, não executar furos nos locais determinados como áreas impermeáveis, fazer inspeção visual conforme determinado pela construtora. Exemplo: para as lajes de cobertura, recomenda-se que as juntas de movimentação sejam recuperadas quando necessário e as lajes limpas, evitando-se assim a formação de fungos (vegetação) que prejudicam a vida útil da sua impermeabilização
  2. Alvenaria e revestimentos: fazer a pintura periódica conforme recomendado no Manual do Síndico, com tratamentos superficiais. Para os revestimentos é necessário manter o rejunte sem falhas. Revestimentos da fachada: recomenda-se verificar os revestimentos e acabamentos externos, fazer inspeção a cada três anos e lavagem conforme determinado no Manual do Síndico, para aumentar a vida útil e o desempenho da edificação.
  3. Instalação hidráulica: recomenda-se que os ralos, sifões e arejadores sejam limpos com frequência e a troca das “borrachinhas” quando necessário para evitar desperdício de água. Verificar com frequência as válvulas redutoras de pressão e caso perceba qualquer irregularidade acionar a empresa contratada para manutenção preventiva. Limpeza de tubulações de águas pluviais para evitar entupimento da rede ou acúmulo de resíduos no decorrer dos anos, prejudicando a vazão do escoamento de água. A manutenção nas instalações hidráulicas evita vazamentos e desgastes precoces.
  4. Instalação elétrica: recomenda-se reaperto dos disjuntores com equipe especializada e verificação de aquecimento nas fiações ou disjuntores. A ausência de manutenção pode ocasionar curto-circuito, sobrecargas, consumo de energia e até incêndios.

Todas as manutenções preventivas devem ser registradas, comprovando que foram realizadas na periodicidade recomendada pela construtora e pelos fabricantes de cada componente da edificação. Kelly indica fazer o controle no livro de registros com páginas numeradas, em planilhas eletrônicas e também com fotografias.

Manutenção preventiva desde o início

Vera Lúcia e Fernanda

Vera Lúcia e Fernanda: contratação de engenheiro para vistoria nas implantações

Vera Lúcia Quaresma, engenheira, é síndica profissional de 13 condomínios, ao lado da filha Fernanda Quaresma Tolipan, administradora de empresas, e já enfrentou diversas situações que envolveram intervenções da construtora durante a garantia. “É desgastante. Em um prédio em implantação, o síndico precisa colocar o condomínio para funcionar. E junto disso precisamos lidar com problemas graves ocorrendo.”

Vera sempre contrata um engenheiro para realizar um laudo de vistoria e entrega do condomínio. Também providencia o que se chama de comissionamento: ela aciona as empresas responsáveis pela instalação de cada sistema para fazer testes de funcionamento, por exemplo, do gerador, ar condicionado, entre outros. E o passo seguinte é contratar a manutenção preventiva desde o primeiro momento do condomínio. A síndica controla tudo por meio de planilhas de Excel. Houve casos em que ela realizava reuniões semanais com a construtora, para acompanhar as pendências. Sobre a manutenção preventiva de cada sistema, Vera recomenda seguir o roteiro proposto pelo Manual do Síndico. “Ele é uma ótima ferramenta, onde constam os fornecedores de cada item e as recomendações. A partir disso montamos a programação de manutenção, até porque a construtora não pode alegar que o condomínio não seguiu o manual”, resume.

Entenda Melhor

A engenheira civil Kelly Ramos de Lima traduz conceitos da Norma de Desempenho (NBR 15575):

– Vida Útil (VU): é definida como uma medida temporal da durabilidade de um edifício ou de suas partes, ou seja, o período de tempo em que estes elementos se prestam às atividades para as quais foram projetados e construídos, considerando a devida realização dos serviços de manutenção, conforme especificados no respectivo Manual de Uso, Operação e Manutenção da edificação.

– Vida Útil de Projeto (VUP): período estimado para o qual um sistema é projetado, a fim de atender aos requisitos de desempenho estabelecidos nesta norma, considerando o atendimento aos requisitos das normas aplicáveis, o estágio do conhecimento no momento do projeto e supondo o cumprimento dos procedimentos especificados nos Manuais de Uso, Operação e Manutenção do empreendimento.

Classificação

Vícios aparentes – são as anomalias de fácil constatação pelo consumidor, ou usuário de um prédio, para os quais não haveria necessidade de conhecimento específico de Engenharia ou Arquitetura para detectá-los.

Vícios ocultos – são aqueles de difícil constatação; haveria necessidade de conhecimento específico de engenharia para detectá-los.

Defeitos – são as anomalias causadoras de danos efetivos ou que representam ameaça potencial de danos à saúde ou à segurança do consumidor, em decorrência da falha de projeto, de execução ou serviço, ou ainda da informação incorreta e inadequada de sua utilização ou manutenção, as quais podem ser também aparentes ou ocultas.

Garantia contratual – é o período de tempo, igual ou superior ao prazo de garantia legal, oferecido voluntariamente pelo fornecedor (incorporador, construtor ou fabricante) na forma de certificado, termo de garantia ou contrato, para que o consumidor possa reclamar dos vícios aparentes ou defeitos verificados na entrega do seu produto.

Garantia legal – é o período de tempo previsto em lei que o comprador dispõe para reclamar dos vícios (defeitos) verificados na compra de produtos duráveis. A impermeabilização deve se apresentar estanque no prazo de garantia mínimo de cinco anos segundo o Artigo 618 do Código Civil – Lei 10406/02.


Matéria publicada na edição – 281 – ago/2022 da Revista Direcional Condomínios

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