Vida em condomínio: direitos e deveres

Síndicos, condôminos e inquilinos precisam seguir regras sobre “moradias compartilhadas”

Cidade de São Paulo

Os deveres e direitos dos síndicos, condôminos e inquilinos norteiam condutas para preservação do patrimônio e do bem viver. Mesmo assim, há pedras no caminho, e não raro os atores deste cenário vertical esbarram em prepotência, arbitrariedade, despreparo e desrespeito. É necessário haver mais conscientização de seus papéis e pleno esforço em prol da dinâmica dos condomínios.

O Código Civil Brasileiro determina que o condômino tem direito de usar, fruir e livremente dispor das suas unidades; votar em assembleia (estando adimplente); recorrer de eventuais penalidades, entre outros. Alguns dos deveres são: contribuir para as despesas do condomínio; não realizar obras que comprometam a segurança da edificação; e não utilizar suas partes de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores – a famosa regra dos 3s.

Alameda do condomínio do Campo Belíssimo

Luiz Figueira: moradores pedem isenção de multa

Apesar do regramento, mais as normas da Convenção e do Regimento Interno de cada condomínio, os condôminos ainda pecam em alguns aspectos. O síndico profissional Luiz Eduardo Lion Figueira cita um caso de pura incongruência em um condomínio-clube na zona sul. “Havia um morador que acreditava que podia fazer barulho até as 22 horas, e fazia mesmo! Uma noite os vizinhos chamaram a polícia, e ele se viu no direito de chamar também. Ficamos nós dois e os reclamantes de seis unidades durante uma hora no hall da torre esperando a polícia chegar para resolver a situação”, ilustra.

Luiz comenta também sobre segurança, “algo que todos querem, mas não colaboram”, diz. “É insuficiente investir em aparatos para tornar a edificação mais segura se o morador não colaborar para evitar o efeito carona. Tem gente que acha que não pode fechar o portão na cara de um desconhecido. Diga ‘dá licença, desculpe’, mas feche o portão”, enfatiza. Outro ponto relevante é inadimplente que pede isenção de multa. “O síndico não tem esse poder e mesmo que tivesse acabaria prejudicando o condomínio porque a previsão orçamentária foi feita em cima daquele valor”, esclarece.

Kit boas-vindas

Advogada condominial Irina Uzzun

Irina Uzzun: imposição de limites

Irina Uzzun advoga para condomínios e atuou como síndica orgânica por dez anos no The Spotlight Perdizes, condomínio em que reside na zona oeste. Há poucos meses, assumiu a gestão do Condomínio Aurora, residencial de 1957 no centro da cidade, no qual possui apartamentos alugados. Para a advogada, o inquilino é condômino tanto quanto os demais, e não apenas mero ocupante do imóvel locado. “Se a gente tratar o inquilino como um não condômino, dá a entender que ele não vai ter as mesmas obrigações que o condômino proprietário quando da utilização das áreas comuns”, observa.

Quanto a participar de assembleia ordinária, desde que a unidade esteja quite com a quota condominial, e que o inquilino apresente procuração do proprietário, Irina não vê problemas. “Em geral, participam só quando tem sorteio de vagas de garagem”, constata. Sobre candidatar-se ao cargo de síndico, ela esclarece: “Se é permitida a figura do síndico profissional, ou seja, de alguém que não é proprietário de imóvel no local, por que um inquilino não poderia se candidatar? Não vejo problema, a menos que a Convenção ou Regimento proíbam”.

Como direito do inquilino Irina cita a participação em lista de transmissão de WhatsApp do condomínio, afinal “ele precisa saber se o elevador vai ser interditado para obras ou algo relativo à rotina do prédio”. Por sua vez, é dever cumprir as mesmas regras de conduta dos vizinhos proprietários. “Quando eu assumi a gestão do Spotlight havia inquilinos que faziam mal uso das áreas comuns, largavam objetos jogados na academia, davam festas no salão regadas a excessos, que culminavam em multas, claro. Tudo isso melhorou depois que instituímos um kit de boas-vindas para inquilinos, orientando o que pode ou não ser feito, mas sem empregar linguagem agressiva ou arrogante”.

Inquilino ou não, o condômino tem o mesmo direito de acionar o síndico sobre algo que o afete diretamente, dentro de horários razoáveis, e sobre assuntos do condomínio. “Certa vez uma moradora me interfonou para reclamar que o aquecedor dela havia queimado. O que eu poderia fazer além de indicar uma assistência técnica?”, questiona a advogada.

Irina reforça que o síndico precisa impor limites e que ele tem direito à urbanidade (civilidade) e respeito. “Se houver perseguição sistemática, ele pode apelar para a Lei do Stalking”. Lembrando que a Lei 14.132/21 não é específica para condomínios, mas para situações de perseguição.

Gestão e denúncia

Dos deveres do síndico, o advogado Rodrigo Karpat, especialista em Direito Imobiliário e questões condominiais, afirma que cabe ao síndico representar o condomínio ativa e passivamente, dentre outras atribuições legais (Art. 1.348 do Código Civil), além de o mesmo ter papel fundamental na gestão do condomínio, exercendo as funções executivas de administrador. “O síndico tem papel fundamental e autonomia funcional para gerir o patrimônio coletivo da forma que melhor lhe pareça, buscando sempre o interesse coletivo e a guarda e manutenção das áreas comuns”, reforça Rodrigo.

A Lei 17.406 imputa mais um dever aos síndicos ao obrigar que denunciem violência doméstica e familiar ocorridas em áreas comuns ou privativas dos condomínios do estado de São Paulo. O que precisa ficar claro no meio condominial é que síndico não tem poder de super-herói ou polícia, na verdade o que se espera dele é a não omissão diante de conhecimento do fato. “Quando chegar ao síndico o relato de uma mulher que esteja sofrendo violência doméstica, que ele busque informar prontamente o órgão responsável, por exemplo, a polícia”, orienta Rodrigo.

O advogado ressalta que um síndico nunca deverá se “intrometer numa situação” por conta própria, tanto para se proteger, quanto pelo fato de ultrapassar suas atribuições. “A não ser, excepcionalmente, em casos em curso e que o perigo de algo grave acontecer seja latente, mas em situações assim a tendência é não só o síndico como pessoas que estão presenciando, tentarem intervir. Porém, repito, isso deve ser o último dos expedientes”. Os chamados de urgência devem ser feitos à Polícia Militar (190). Já as denúncias podem ser feitas à PM; Central de Atendimento à Mulher (180) ou ao Disque Direitos Humanos (100).


Matéria publicada na edição 291 jul/2023 da Revista Direcional Condomínios

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