Violência: Fora dos limites

Condôminos descontam sua ira cotidiana especialmente nos funcionários de edifícios. Há casos em que o morador violento pode ser considerado anti-social.

A vida em condomínio está cada vez mais difícil. E não se trata apenas da inadimplência, das obras de manutenção, dos vazamentos, dos ameaçadores arrastões, dos problemas com funcionários e dos inúmeros outros contratempos cotidianos por que passam os síndicos. Um fantasma tem assolado condomínios de todos os níveis sociais: moradores violentos. Há relatos cruéis, principalmente de agressões a funcionários, motivados pelos motivos mais fúteis: a pizza não pode ser colocada no elevador ou o prestador de serviço demorou muito para subir ao apartamento. “As pessoas estão estressadas, passando dos seus limites. Moradores surtam de repente, e tomam atitudes extremamente violentas contra os funcionários, que estão simplesmente cumprindo as normas internas de segurança que foram aprovadas pelos próprios condôminos”, conta Mauro Pacífico, diretor de uma empresa de terceirização de mão-de-obra, que aloca funcionários para 50 edifícios em São Paulo, entre porteiros, faxineiros e zeladores. 

Segundo Mauro, os piores casos acontecem principalmente em condomínios de alto padrão. Um exemplo recente aconteceu em um condomínio com 160 unidades e grande área de lazer, onde um funcionário atua fazendo ronda no térreo. Crianças brincavam na quadra quando um morador, provavelmente alterado pelo uso de drogas, entrou e passou a chutar a bola nas crianças. O porteiro o advertiu e seguiu para a portaria para anotar o ocorrido. O condômino invadiu a portaria e surrou o funcionário, que quebrou o maxilar e sofreu diversos hematomas. O funcionário, que há quatro anos prestava serviços ao mesmo condomínio, agora move um processo na Justiça contra o agressor. Em outro caso, a moradora de um apartamento avaliado em R$ 900 mil se irritou com o porteiro porque seu prestador de serviços demorou a subir, por ter que cumprir os procedimentos de segurança exigidos. Ela desceu até a portaria, xingou o porteiro de incompetente e deu-lhe um tapa no peito. Em mais um relato, Mauro conta que um morador exigia que o porteiro colocasse sua pizza dentro do elevador. O porteiro alegou que não podia deixar seu posto de serviço. O condômino desceu e agrediu o porteiro com um tapa na cabeça.

Além dos casos de violência explícita, há os de agressão moral, com ofensas que não machucam o corpo mas ferem a integridade do funcionário. Conforme Mauro, sua empresa conta com oito funcionários afastados por problemas psicológicos. “Os moradores são muito rudes e agressivos, xingam, ofendem. Funcionário que todos os dias é ultrajado, perseguido, ofendido, uma hora não agüenta mais”, considera. O diretor da empresa comenta que os funcionários procuram em um emprego em primeiro lugar um bom ambiente de trabalho; depois, um bom relacionamento com a chefia, e só em terceiro lugar vem o salário. “Os funcionários são colocados em cheque a todo momento. É muito desgastante. Temos que fazer cumprir um regulamento mas o morador se coloca na posição de ‘sou eu que pago o teu salário’”, aponta.

O síndico deve punir os moradores violentos conforme o regulamento do prédio (advertência e/ou multa), seja em atitudes contra funcionários ou a outros condôminos. “Porém, há o condômino violento que beira a esquizofrenia, e ultrapassa os limites da sanidade através da força. Nesses casos, pode haver entendimento para que o condômino seja retirado do condomínio, não perdendo a propriedade mas não podendo mais usufruir dela”, admite o advogado e consultor jurídico condominial Cristiano De Souza Oliveira. 

Conforme o advogado, seguindo a teoria do Desem¬bargador Américo Isidoro Angélico, o condômino proble¬mático poderia ser limitado em seu convívio social condo¬minial, ainda que proprietário. Nesses casos, ainda de acordo com o Desembargador, o condomínio alega que a presença da pessoa causa danos à segurança da vida privada, sendo prejudicial ao sossego e a saúde, afetando a função social da moradia coletiva. “Para outros doutrinadores, os quais se agrupam em maioria, uma vez prevista uma sanção pecuniária de dez vezes o valor da parcela condominial, não haveria como se penalizar duplamente a pessoa com a limitação social”, analisa o advogado. 

Cristiano arremata que ambas as correntes podem prevalecer, sem conflitos: “Em cada caso se analisará quando será aplicada a multa pecuniária e quando poderá ser isentada a multa e requerido ao Poder Judiciário intervenção para a aplicação da limitação social, que caberia, por exemplo, em caso de condôminos violentos para com a coletividade.” Em ambos os casos tudo depende de deliberação em assembléia e, se for levada ação à Justiça, de um pedido bem formulado pelo advogado do condomínio.

O advogado Michel Rosenthal Wagner pondera que o condomínio não visa o lucro mas sim a qualidade de vida de seus integrantes. “Temos em mente que o imóvel, a casa própria, é em geral o maior patrimônio que uma pessoa logra conquistar na vida, e é daí também que se tem a possibilidade de auferir qualidade de vida. Deve-se, portanto, buscar as melhores condições de habitabilidade, além de melhores condições de eventual locação ou comercialização”, admite. Para tanto, acredita Rosenthal Wagner, além do investimento pessoal nas relações interpessoais, o condomínio deverá dispor de um regulamento interno claro e com disposições que permitam a participação dos condôminos. “Deve-se buscar melhorias da qualidade da convivência. Fazer valer que cada um tenha a liberdade de usufruir de sua unidade e das áreas comuns, desde que respeite a liberdade de seu vizinho, ou seja, a liberdade de cada um termina exatamente onde se inicia a do outro”, diz.

Gerenciamento de crise

E como o síndico deve se portar quando o condomínio enfrenta uma situação trágica, como um suicídio ou assassinato? O caso da morte da menina Isabela Nardoni é o exemplo mais forte e recente de como um crime pode transformar a vida de um edifício, de seus moradores e funcionários. Enfim, um crime trágico pode afetar até mesmo a valorização dos imóveis. No caso do Edifício London, o advogado Cristiano De Souza Oliveira sugere até mesmo a mudança do nome do condomínio. “Quando ocorre um acidente com uma empresa de transportes, a primeira ação a ser tomada é apagar a marca da empresa. O mesmo pode ser aplicado ao condomínio”, acredita. 

Acidentes e crimes violentos exigem do síndico uma eficiente gestão de crise, orienta o advogado. “O síndico do London, por exemplo, foi à delegacia para cobrar como seria realizada a reconstituição do crime. O síndico deve ter calma e discernimento para gerenciar a crise, preservando o patrimônio de todos. Deve orientar os funcionários, passar comunicados aos condôminos e por vezes até mesmo chamar uma assembléia. Não se trata de fazer política, mas de administrar um momento crítico”, constata.


Matéria publicada na edição 126 jul/08 da Revista Direcional Condomínios

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