No final de 2024, foi apresentado ao Congresso Nacional o anteprojeto das alterações do Código Civil (CC), coordenado por um Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que acabou por expor, como justificativa para a alteração da lei no campo condominial, principalmente as atualizações de decisões judiciais dos tribunais e do STJ, sendo grande parte ancorada nos conceitos ultrapassados da Lei nº 4.591/64, conforme é facilmente confirmado em dois exemplos: o síndico, na Lei de 1964, é uma função eleita (art. 22) e, no atual CC, é escolhido (art. 1.347), mudança significativa, uma vez que a intenção foi a autorregulamentação na forma de administração (art. 1.334, II do CC). De outra banda, mantém-se o subsíndico nos condomínios, conforme §6º do art. 22 da Lei 4.591/64, cabendo à convenção disciplinar suas funções, o que se demonstra totalmente em harmonia com o CC (art. 1.334, II c/c art. 2.035).
Autorregulamentar é um diferencial imposto pelo Código Civil, cuja aplicação prevê três pilares que buscam evitar o Poder Judiciário: sistema de normas abertas (onde o condomínio conduz alguns temas sem definição legal por meio de assembleias e normas internas (exemplo: “bons costumes” – art. 1.336, inc. III e “administrar não conveniente” – art. 1.349, ambos do CC); o culturalismo, onde decisões assembleares podem ser diferentes em razão do próprio comportamento do condômino (exemplos: art. 1.336, §2º e art. 1.337, ambos do CC); e a boa-fé, como regra máxima para qualquer posicionamento ante a legislação.
O anteprojeto, convertido em Projeto de Lei nº 04/2025, acaba por querer definir questões que antes seriam do próprio condomínio, movido e motivado por decisões judiciais ancoradas em uma legislação protetiva da década de 60 (Lei 4.591), uma vez que mais da metade dos conceitos disciplinados no atual Código Civil para o campo condominial jamais foram postos em prática ou, quando postos, não foram observados à luz do atual conceito do Código Civil, mas sim com a âncora do passado, alimentada por doutrina e jurisprudência resistentes em buscar o novo, hoje já com 22 anos.
Destacamos alguns pontos vistos como “necessários” de serem alterados no Código Civil, para condomínios:
Quanto à personalidade jurídica
Sem incluir no rol das pessoas jurídicas da sociedade brasileira (art. 44 do CC), é incluído no art. 1.332 um §1º que diz: “Ao condomínio edilício poderá ser atribuída personalidade jurídica, para a prática de atos de seu interesse”, causando ao meio condominial transtornos e obrigações em várias frentes, ou seja, registral, tributária e até interna, pois, por estar inserido no artigo que disciplina a instituição, a deliberação teria que ser de unanimidade absoluta dos condôminos.
Quanto à venda de área comum de uso exclusivo
Esquecendo que o condomínio é sem fins lucrativos, o PL 4/25 prevê a autorização de cessão onerosa de área comum de uso exclusivo ou mesmo que não seja devidamente aprovada em assembleia, causando assim aos condôminos, ou mesmo ao condomínio se pessoa jurídica (nos termos do próprio PL), a necessidade de declaração à Receita Federal e demais obrigações acessórias.
TEXTO SUGERIDO PL 04/25
Art. 1331
§ 4º O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, de esgoto, de gás e de eletricidade, a calefação e refrigeração centrais e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, divididos ou utilizados de maneira clandestina.
§ 5º No caso do § 4º, a assembleia, especialmente convocada para tanto, pode ceder, por maioria dos votos dos condôminos, a um ou mais condôminos, em caráter precário, oneroso ou gratuito, o exercício exclusivo de posse sobre pequenos espaços comuns.
Quanto à convenção e sua validade
Diferente do que já está pacificado no STJ, que reconhece a convenção e sua alteração aprovada, ainda sem registro, para os condôminos atuais e futuros, o art. 1.333 recebe uma alteração em seu parágrafo.
TEXTO ATUAL
Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
TEXTO SUGERIDO PL 04/25
Parágrafo único. A convenção de condomínio não registrada é eficaz para regular as relações entre os condôminos, mas, para ser oponível a terceiros e a futuros adquirentes, deverá ser registrada perante o oficial do Cartório de Registro de Imóveis.
Quanto à administração
Ancorada no passado, altera o conteúdo que uma convenção deva ter, definindo (obrigando) uma forma de administração única aos condomínios, sem flexibilização.
TEXTO ATUAL
Art. 1334
III – a competência das assembleias, forma de sua convocação e quórum exigido para as deliberações;
IV – as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;
V – o regimento interno.
TEXTO SUGERIDO PL 04/25
Art. 1334
III – o modo de escolha do síndico, do subsíndico e do conselho fiscal, com a previsão das suas atribuições, além das já previstas em lei;
IV – a competência das assembleias, forma de sua convocação e o quórum exigidos para as deliberações;
V – as sanções a que estão sujeitos os condôminos ou os possuidores;
VI – o regimento interno, cujo quórum de alteração pode ser definido livremente pela convenção.
Quanto ao condômino
Não diferente, retira do ordenamento jurídico a equiparação natural de toda pessoa que ainda não registrou na matrícula imobiliária seu documento de transferência, indicando que a convenção poderá restringir tal equiparação, indo totalmente na contramão da definição do STJ em tema repetitivo já sedimentado.
TEXTO ATUAL
Art. 1.334
§ 2º São equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo, salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas.
TEXTO SUGERIDO PL 04/25
Art. 1.334
§ 2º São equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo, salvo disposição em contrário na convenção, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas.”
Penalidades administrativas
O projeto de lei concede às convenções condominiais poderes de restrição aos proprietários inadimplentes, não somente de votação, mas de participação (de defesa e voz), contrariando o art. 1.228 do próprio CC e todo o ordenamento que disciplina as assembleias eletrônicas, por exemplo, criando o art. 1.335-A.
TEXTO SUGERIDO PL 04/25
Art. 1.335
III – votar nas deliberações da assembleia, estando adimplente com as suas obrigações e os seus deveres perante o condomínio.
Art. 1.335-A. A convenção poderá limitar o direito de participação e de voto nas assembleias de condôminos que:
I – estiverem inadimplentes com o dever de contribuir para as despesas, ordinárias ou extraordinárias, do condomínio ou de rateio extraordinário aprovado em assembleia, qualquer que seja a sua finalidade;
II – estiverem inadimplentes quanto aos valores do reembolso de reparos ou de indenizações a que eles próprios tenham sido condenados a pagar;
III – tiverem sido apenados na forma do art. 1.337 deste Código;
IV – descumprirem quaisquer dos deveres elencados no art. 1.336 deste Código.
Parágrafo único. A convenção poderá, também, limitar a possibilidade de representação convencional dos condôminos nas assembleias.
Condômino antissocial
Neste assunto, além de reduzir todos os quóruns especiais para os presentes em assembleias, cria-se um verdadeiro juízo de exceção nos condomínios, que deverão avaliar não só a pena, mas a retirada da pena (considerando que, no Brasil, não temos pena perpétua) de reintegrar o condômino antissocial ao condomínio, em notória falta de compreensão prática do dia a dia condominial, em que grupos menores podem se formar e perdurar com seus feitos e desfeitos durante anos, chegando ao absurdo de restringir a entrada dessa pessoa “excluída” não só à sua própria propriedade, mas também aos imóveis de outros moradores.
TEXTO SUGERIDO PL 04/25
Art. 1.336
VI – não permitir a entrada de pessoas em sua unidade que tenham sido apenadas na forma do art. 1.337 deste Código e seus parágrafos.
Art. 1.337. O condômino, o possuidor ou o morador que não cumprir reiteradamente seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de dois terços dos condôminos presentes na assembleia, ser constrangido a pagar multa correspondente a até cinco vezes o valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade e reiteração das faltas, independentemente das perdas e danos que se apurem.
§ 1° O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente a dez vezes o valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, sem prejuízo das perdas e danos.
§ 2º As multas previstas neste dispositivo também se aplicam ao condômino que seja devedor contumaz.
§ 3º Verificando-se que a sanção pecuniária se mostrou ineficaz, ulterior assembleia poderá deliberar, por 2/3 dos condôminos presentes, pela exclusão do condômino antissocial, a ser efetivada mediante decisão judicial, que proíba o seu acesso à unidade autônoma e às dependências do condomínio.
§ 4º Cessada a causa que deu ensejo à exclusão do condômino antissocial, poderá este requerer sua readmissão, mediante o mesmo quórum de condôminos previsto no parágrafo anterior.
§ 5º As sanções previstas neste artigo serão fixadas, levando-se em consideração a gravidade das faltas cometidas e a sua reiteração, devendo ser garantido ao condômino o direito à ampla defesa perante a assembleia.
§ 6º Se os atos antissociais forem praticados por um dos membros da família do proprietário ou do titular de outro direito real do imóvel ou forem praticados por apenas um dos moradores da unidade, somente sobre este recairá a sanção de proibição de acesso à unidade.
Locação para temporada
Sem definição ou alteração do art. 48 da Lei de Locação, o texto acaba conturbando ainda mais a sociedade com definições inexistentes e sem qualquer base jurídica, salvo o ativismo judiciário dos tribunais. O projeto de lei restringe a hospedagem atípica desde que não autorizada por assembleia; porém, não soluciona o que a lei permite, qual seja, uma locação para temporada nos termos do art. 48 da Lei de Locação.
TEXTO SUGERIDO PL 04/25
Art. 1.336
§ 1º Nos condomínios residenciais, o condômino ou aqueles que usam sua unidade, salvo autorização expressa na convenção ou por deliberação assemblear, não poderão utilizá-la para fins de hospedagem atípica, seja por intermédio de plataformas digitais, seja por quaisquer outras modalidades de oferta.
Definições do subsíndico
Diferente do que o próprio projeto propõe no art. 1.334, que já estabelece um modo de escolha para o subsíndico, inclui no art. 1.347 a faculdade de escolha de um subsíndico (na proposta do inciso III do art. 1.334 seria obrigatório), com definição imposta por lei de substituir o síndico. Porém, “sub” não é “vice” e, em vários condomínios, um conselheiro pode ter essa atribuição, não cabendo à lei definir a forma de administração, mas à própria coletividade.
TEXTO SUGERIDO PL 04/25
Art. 1.347
§ 2º Faculta-se a escolha de um subsíndico a quem caberá substituir o síndico em suas faltas ou impedimentos, sem prejuízo de outras competências que lhe sejam atribuídas na convenção.
Conclui-se, pela leitura, que, muito mais que facilidades, a alteração do Código Civil poderá trazer aos condomínios um engessamento na mobilidade atual de administrar e viver em condomínios, com respeito à coletividade, por meio do direito democrático e seguro dos quóruns especiais, garantindo-se não a harmonia, mas os interesses de alguns que podem não refletir a massa condominial.
Muito ainda terá que ser debatido e, durante os anos que virão, espera-se que haja luz no Congresso para uma verdadeira alteração legal positiva, sem a perda dos princípios tão inovadores que foram impostos no Código Civil de 2002, sem âncoras ou amarras no passado.
Matéria publicada na edição 317 nov/dez 2025 da Revista Direcional Condomínios
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